Texto – Sessão 2

Sessão 2 – O extraordinário cotidiano

Capão Redondo, na periferia de São Paulo, e Contagem, no interior de Minas Gerais, são espaços conectados de maneira forte, ainda que livre, a partir das experiências de “Filme de Domingo” e “Quintal”. Desafiando imaginários pré-estabelecidos e redutores, as obras de Lincoln Péricles e André Novais Oliveira espelham-se na maneira como respondem às limitações impostas a certos corpos e vivências: com a aposta no alargamento de possibilidades e representações.
“Filme de Domingo” é marcado pelo despojamento em fluxo que mistura ideias e escolhas visuais, construindo uma obra vibrante e com sensibilidade muito própria. Uma reunião de família, momentos cotidianos em casa e passeios de descobertas pelas ruas são desvelados de modo inventivo, menos como experimentação visual hermética e mais como vontade de testar formas, ampliá-las.
De uma narrativa que se desenrola de maneira mais “tradicional” ao uso de cartelas para dar seguimento à trama, das imagens da pequena Duda como “YouTuber mirim” tomando o plano inteiro para si à experiência da feira de rua, das conversas pessoais entre o irmão e a irmã à leitura coletiva de um livro, tudo em “Filme de Domingo” é impregnado de um sentimento de particularidade mesclado com identificações possíveis.
A inventividade ecoa também em “Quintal”, que se difere em tom, forma e modo em relação ao “Filme de Domingo”, mas que traz essência central alinhada à do paulistano. Na obra mineira, a lógica familiar e cotidiana de um casal de idosos moradores da periferia é a base central para a expansão ao fantástico e à invenção narrativa e visual.
Zezé vai estender as roupas no varal, mas uma ventania forte chega – tão forte que quase leva a mulher pelos ares. Ao mesmo tempo, pelo menos, ajuda a secar com bastante rapidez aquilo que foi recém lavado. Quando Norberto encontra uma fita VHS antiga nos materiais dos filhos, depare-se com um filme pornô. Minutos de sessão depois, ele aparece na Universidade apresentando um trabalho de mestrado inspirado nas cenas vistas.
Os contextos cotidianos registrados por Lincoln e André, marcados pelo acolhimento da casa e por perambulações nas ruas, aliam cenários de partida naturais com gestos de criação e invenção para além do esperado. Ora se aproximando, ora se distanciando, os caminhos empreendidos por cada cineasta são ligados, justamente, por esse impulso de trazer e mostrar mais do que um modelo pré-estabelecido.
Jogando com aquilo que é “esperado” pela norma, os filmes optam, em verdade, por alargar as possibilidades do que é ou pode ser “mais um dia na vida de um casal de idosos da periferia” e “um domingo de sol na quebrada”, como definem as sinopses de cada produção. Irmanados por série de gestos e escolhas, elas aproximam não somente Capão Redondo a Contagem, Duda a Zezé e Norberto, mas também diversos outros locais e pessoas espalhadas pelo Brasil e que guardam em si a força possível dos horizontes e mentes abertas.

 

 

João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).